Adriana Amaral

O que você guarda tão bem guardado que até se esquece de que tem?


O que você guarda tão bem guardado que até se esquece de que tem?

  

 

A memória sabe de mim mais que eu; e ela não perde o que merece ser salvo

Eduardo Galeano

 

 

 

 

De tudo o que guardamos, talvez o que mais importe seja aquilo que, com afeto, cultivamos nas lembranças, num lugar intangível. A imaterialidade pode resultar de diferentes circunstâncias, uma delas é o esquecimento. E este, quando involuntário, basta um lampejo da recordação para que se ative o que conhecemos como memória, seja ela qual for. O exercício de memória apresentado aqui por Adriana Amaral revela uma nobre tarefa de construir permanências num contexto de dissolução das relações humanas, das afetividades e, por consequência disto, de esquecimento.

 

Com 40 fotografias e dois vídeos, a artista apresenta a pesquisa iniciada em 2013 que se estendeu por três cidades: Ribeirão Preto, São Paulo e Torres Vedras. Nela é realizada uma triangulação entre um objeto da memória, o portador da memória e a própria artista. Para iniciar o processo, Adriana Amaral envia para os participantes a pergunta: O que você guarda tão bem guardado que até se esquece de que tem? Após alguns dias ela vai ao encontro destas pessoas para fotografar seus objetos resgatados nos fundos dos armários, convida-as para tomar um chá e na conversa se estabelece a oferta de recordações que Marcel Mauss, em “O ensaio sobre a dádiva”, estabelece como vínculo.

 

Através do deslocamento destes objetos pessoais, Adriana organiza um espaço ativo de memória. Pois, ao receber as lembranças ofertadas pelos participantes, agrega memórias em si mesma, uma vez que “aceitar alguma coisa de alguém é aceitar algo de sua essência espiritual” (MAUSS, 2017). E, ao reunir todas estas memórias provenientes de diferentes lugares, apresentando-as numa narrativa cênica, atua como uma agente de propagação de histórias, pessoas, culturas, ou seja, de memórias reais e tangíveis. Além disto, ativa as nossas próprias recordações, fazendo-nos ingressar neste exercício de memória, criando outros vínculos.

 

O que você guarda tão bem guardado que até se esquece de que tem? Somos convidados[as] a refletir tomando como ponto de partida o trabalho de Adriana Amaral. Em tempos de apagamento, em que as discursividades hegemônicas tentam impor seus modos de existir e pertencer, vale um mergulho para encontrar o que não se perdeu em cada um de nós.

 

 

Shannon Botelho 2019